Veja um grafo dos poemas de RITA DE CASSIA MESQUITA TALIBA
Copo d'água caiu em meu poema Borrou toda minha caligrafia Ainda me é possível ler o tema Mas tanta água estragou a poesia Tento escrever de novo, outro formato Quem sabe uma crônica narrativa? Mas, se tento narrar um simples fato, Sempre mato o que, em mim, me deixa viva Penso que aquele borrão azulado Ainda pode enfeitar minha parede Mas a água, do copo derrubado Não poderá matar a minha sede Fico tentando achar a utilidade De um poema borrado e seu papel É melhor amassar minha verdade Do que embrulhar palavras a granel Deixo, pois, afogar-se, o meu poema Incapaz de salvar a poesia Quem poderá julgar medida extrema Até levar um banho de água fria?
O corpo é só um corpo O corpo não é amor Aceitar que é assim e pronto Aceitar e saber onde pôr: Onde pôr o corpo que não tem mais vida, Onde pôr a vida que não tem amor. Onde pôr o amor que o corpo convida, Quando ganha corpo a dúvida, senhor?
ESTRANHAMENTO Estranho, quando amanhece, O estalo do meu joelho. Como se eu nada soubesse, Me estranho, também, no espelho. Estranho acabar o dia, Como se tudo existisse. Penso que a vida é tardia: Sou o coelho da Alice! Estranho quem reconheço, Nas fotos e nas mensagens. Estranho um novo começo Com os mesmos personagens. Estranho a palavra doce: Chega-me como um zumbido! (Estranho, como se fosse, Tudo o que eu já tinha ouvido).
DEIXEM-ME QUIETA, AQUI EM CASA Deixem-me quieta, aqui em casa Nada tenho para dar Nada! Daqui para o mundo, Porta da frente pro fundo, Da tela pro seu olhar Deixem-me quieta, aqui em casa Nada poderei levar Da minha casa pra rua Da minha vida pra sua Daqui pra qualquer lugar Deixem-me quieta, aqui em casa Nada posso acrescentar Aos animais, às pessoas Às coisas más e às boas Aos dias que irão passar Deixem-me quieta, aqui em casa Já nem posso mais andar Todo passo meu é falso Sangra o meu pé tão descalço É aqui que devo ficar
PRETEXTO Preciso de um pretexto - para não ler o texto - para escrever o verso - para rever o gesto Preciso, urgentemente, de um prexto - para perder a hora - para viver o agora - para entender o fim Preciso, mais que nunca, de um pretexto - para ir mais a fundo - para culpar o mundo - para gostar de mim
INFERNO ASTRAL Sonhei que estava vacinada Corria livre pela rua Só eu que estava imunizada E era eu que acendia a lua Tinham me dado esse poder De fazê-la cheia ou minguante Eu esperava o anoitecer Pra deixar o breu cintilante Mas mesmo com o céu bem aceso A cidade estava vazia Passei a sentir todo o peso Das noites e da astrologia Tentei abrir mão do meu posto Ninguém na cidade queria O cansaço estava em meu rosto Nem mesmo escrever conseguia E assim, numa noite esquisita Não fui! Deixei todos no escuro... E uma voz (pareceu bem aflita) Veio me chamar pelo muro Não vou! Respondi, decidida. “- Só vim pra saber se está bem Senti falta da luz, da vida Que a tua energia contém. Sem medo da noite ou do escuro Queria saber só de mim Cedi, sem pensar no futuro Ou no meu passado sem fim Do vírus, sabia o segredo Voltei a escrever, fiz um verso Nós dois nos beijamos sem medo E a lua acendeu pro universo